centenario | Sessão/Debate «Educação e ensino para o desenvolvimento e progresso social»

Intervenção de Jorge Pires

Desenvolvimento do sistema educativo em Portugal no quadro duma democracia avançada vinculada aos valores de Abril e do socialismo

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Intervenção de Jorge Pires

Camaradas e amigos

Falar da Educação e do ensino no quadro das comemorações do centenário da Revolução de Outubro, faz todo o sentido, não apenas porque nos permite compreender melhor o momento histórico que se viveu naquela altura, nomeadamente a educação que se estabeleceu naquele período, as suas tendências e os seus dilemas, mas sobretudo, o importante contributo que deu para a definição de um projecto educativo para os nossos dias.

A educação na Revolução de Outubro, tem tido, na minha opinião, um tratamento e uma valorização insuficiente, nomeadamente a  importância que teve no desenvolvimento e consolidação dos avanços da Revolução, mas particularmente o facto de não se valorizar suficientemente o papel fundamental de Lénine na implementação do combate ao analfabetismo que, juntamente com a electrificação do país, mudou significativamente o padrão cultural da sociedade.

A educação como uma opção estratégica, como foi definido por Lénine; o papel do Estado relativamente à educação; a valorização da instrução pública; o combate à ideia de uma escola apolítica; o entrelaçamento da educação com as condições materiais da sociedade; a necessidade do vínculo entre a teoria e a prática; a importância da pedagogia e os conteúdos das aprendizagens; a ligação da escola à vida; a defesa de uma escola absolutamente laica; a gratuitidade do ensino; a ligação do ensino com o trabalho socialmente produtivo e por último, o combate à velha escola que destinava aos camponeses e operários apenas a preparação para o trabalho, enquanto aos filhos da burguesia, o conhecimento desinteressado, são parte integrante de uma riquíssima intervenção no processo educativo, com algumas destas matérias a manterem ainda hoje grande actualidade.   

Em 1917 a situação na Rússia era de profunda miséria e de um elevado nível de analfabetismo (90 a 95%). A revolução de Outubro não só permitiu um combate eficaz ao analfabetismo, como permitiu profundas mudanças e transformações que afectaram e ainda afectam, os demais países do mundo no que diz respeito aos mais variados sectores da vida humana, influenciando sobretudo a educação.

Lenine tinha tal convicção no papel estratégico da educação para o sucesso da revolução socialista que se empenhou pessoalmente para que no VIII Congresso do Partido Comunista, realizado em Março de 1919, fosse aprovada a resolução que determinou:

a) A instrução geral e politécnica gratuita e obrigatória para todas as crianças e adolescentes dos dois sexos, até aos 17 anos de idade;

b) A plena realização dos princípios da escola única do trabalho, com o ensino da língua materna, estudo comum das crianças dos dois sexos, absolutamente laica, livre de qualquer influência religiosa, que concretizasse uma estrita ligação do ensino com o trabalho socialmente produtivo, que preparasse membros plenamente desenvolvidos para a sociedade comunista.

Ou seja, a obrigatoriedade da escola num país com índice de analfabetismo entre 90 e 95%, foi uma conquista directamente ligada à intervenção de Lenine.

Para o êxito da estratégia da revolução foi fundamental uma política radical de instrução pública, coisa que muita gente ignora ou ainda hoje não valoriza suficientemente.

A URSS leninista tornou-se o berço em que nasceria, definitivamente a tão sonhada e idealizada educação socialista, cujos princípios tinham sido enunciados por Marx e Engels e desenvolvidos, entre outros, por Lenine.

Para Lenine na esteira da construção económica das bases materiais de sustentação da sociedade socialista, processava-se o desenvolvimento cultural dos povos que habitavam o imenso território da URSS. Os primeiros resultados apareceram já depois de terminada a Guerra Civil. No domínio da Instrução pública, por exemplo, a população alfabetizada cresceu de 32% em 1920 para 40% nos fins de 1926.

Nas aldeias funcionavam mais de 22 mil salas de aulas.

Tal como na altura, ainda hoje nos debatemos nos sistemas educativos nos países capitalistas, com duas visões opostas: a formação dos jovens determinada pelos interesses do mercado, preparados para o trabalho mas não para reivindicarem e a formação integral em que os jovens são preparados para a vida profissional, mas também para uma intervenção consciente na vida política, económica, social e cultural na sociedade.

Camaradas

O conhecimento enquanto visão estruturante, integrada e globalizante do mundo, é uma arma contra a exploração e contra as injustiças sociais. Para o capital que vive dessa exploração e dessas injustiças sociais, o ensino é uma arma de dois gumes e como tal deve ser criteriosamente gerido.

Em sistema capitalista o ensino deve dar a quem serve o capital os conhecimentos para o continuar a servir, mas nunca para o por em causa.

Simultaneamente, deve dar a quem o detém o conhecimento e a cultura para o gerir e reproduzir.

Tem sido neste sentido que os sucessivos governos do capital têm orientado a reconfiguração do ensino, adequando-o cada vez mais à sua reprodução ideológica.

Marx desenvolveu a tese de que o capital para se perpetuar no tempo precisa de reproduzir as suas componentes económicas - força de trabalho e meios de produção -, e de reproduzir as suas componentes ideológicas, cujos aparelhos de reprodução se encontram na religião, comunicação social, escola e família. Escola que se constitui num aparelho ideológico central porque atinge praticamente toda a população por um período significativo de tempo.

Numa perspectiva Marxista, a proclamação duma escola apolítica, acima das classes, que estaria ao serviço da sociedade no seu conjunto e visaria ao desenvolvimento de todas as crianças e ao desabrochar da personalidade, não é mais do que, afirma Lenine, uma hipocrisia burguesa destinada a enganar as massas. Precisamente por causa da extrema importância da instituição escolar nos Estados modernos, é que a ligação entre o aparelho político e o ensino é extremamente forte.

É uma verdade científica a afirmação de que o sector educacional  não é um sector de neutralidade ideológica.

A manutenção da condição do capital, é garantida pela repressão e pela ideologia. A primeira está a cargo dos aparelhos repressivos do estado, policias e judiciais, e a segunda, é da responsabilidade dos aparelhos ideológicos de reprodução: religião, comunicação social, escola e família.

Para uma melhor compreensão de como o capital intervém no sentido de manter a posição, devemos-nos questionar sobre duas questões:

Como é que o capital usa a escola e a educação para manter o status quo, para que a sociedade continue a estar dividida entre proprietários dos meios de produção e proprietários apenas da sua força de trabalho?

E como é que à saída, os recém-licenciados estarão aptos a reproduzir o modo de produção dominante, o motor da extracção de mais-valia a favor do detentor de capital?

A resposta, é que a escola contribui para a reprodução da sociedade capitalista ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que fazem ver essa condição social como boa e desejável.

Na sociedade capitalista o currículo escolar é capitalista, reproduz culturalmente as estruturas sociais, tem um papel decisivo na reprodução da sua estrutura de classes, e um aparelho ideológico do poder capitalista transmite a ideologia dominante.

Camaradas e amigos

Os capitalistas desejam trabalhadores hábeis mas obedientes. Flexibilidade e obediência são as duas faces de uma mesma moeda.

Por isso temem o paradigma da formação integral, como desenvolvido por Bento Jesus Caraça.

Tal como o PCP defende, numa sociedade que se pretende justa, democrática e igualitária, o ensino deve contribuir para a mais elevada formação integral do indivíduo.

Ao contrário, como temos verificado em Portugal, sucessivos governos tem vindo a adequar o ensino às novas expectativas das potências industriais e financeiras, de que a estratégia de Lisboa é exemplo. Instrumentalizam progressivamente a escola pondo-a ao serviço da competição económica e elitizam o acesso aos patamares superiores do  conhecimento, limitando-o aos filhos dos ricos, de que é exemplo a integração do ensino superior em Portugal no chamado processo de Bolonha.

O País tem estado confrontado com uma crise do sistema educativo que se tem vindo a prolongar no tempo, com consequências ao nível do insucesso escolar e do abandono precoce da escola, mas também da falta de qualidade das aprendizagens realizadas. Crise que está longe de ser ultrapassada apesar de algumas melhorias introduzidas.

Como temos afirmado em vários momentos, o ensino e a escola, que deviam constituir um tema de esperança para o nosso Povo, tem sido, pelo contrário, um tema de ansiedade e de preocupações, mas também de contestação e de lutas, como já foi referido nesta sessão.

Não estamos perante uma fatalidade. Esta situação tem causas e responsáveis. Ela deve-se a uma prolongada ofensiva de cariz neoliberal, sustentada numa profunda limitação das funções sociais do Estado, restringindo severamente o seu papel como instrumento para a promoção da igualdade entre os portugueses, em mais um ajuste de contas com as conquistas da Revolução de Abril.

Desresponsabilização do Estado; financiamento publico do ensino privado; subalternização de critérios pedagógicos em prol de critérios economicistas e elitistas, são algumas das opções que têm sido seguidas por sucessivos governos.

A crescente mercantilização da educação, não se desliga de uma ofensiva mais global pela mercantilização das funções sociais do Estado, com expressão concreta no desrespeito pelo preceito constitucional que obriga o Estado a democratizar a educação e a garantir a progressiva gratuitidade do ensino público, é uma realidade que não podemos dissociar das políticas neoliberais que têm vindo a ser implementadas por toda a Europa, num quadro mais geral de subordinação do poder político ao poder económico 

Para nós é claro que o processo de globalização capitalista, dominado pelo capital económico e sobretudo financeiro, que proclama o fim das ideologias enquanto elementos capazes de ajudar o Ser humano a encontrar o caminho da sua libertação e que erigiu demagógica e falsamente o mercado como principal factor de desenvolvimento das sociedades, é neste momento o grande obstáculo ao acesso de milhões de seres humanos ao conhecimento. A questão central é o mercado e o lucro, e mesmo sem os diabolizar, o que importa é saber se estes estão acima dos humanos e se é legítimo utilizarem os instrumentos que deveriam ser de todos, apenas a seu proveito e sob o seu comando.

É neste quadro que o Programa do PCP, “Democracia avançada, os valores de Abril no futuro de Portugal”, define o direito à educação e ao ensino, à cultura e ao desporto, como o direito de todos e cada um ao conhecimento e à criatividade, ao pleno e harmonioso desenvolvimento das suas potencialidades, capacidades e vocações, a uma adequada formação cívica.

O direito à educação e ao ensino; à cultura e ao desporto será assegurado:

- por uma política que assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do nosso país; que atenda à multiplicidade diversidade dos processos educativos e formativos contemporâneos e as dimensões a que estes necessitam de dar resposta, desde a competência profissional e a qualificação, à cultura humanista e científico-técnica, à inovação e à criação, aos valores cívicos e humanos; que considere o conjunto da população portuguesa e desenvolva um sistema de educação permanente que integre e equilibre a educação inicial com o ensino e a formação contínua dos adultos e assegure um ensino da mais alta qualidade para todos os portugueses e que seja um factor de elevação do nível cultural da população, da formação integral do ser humano e de afirmação de uma cidadania plena e criadora numa sociedade democrática.

- Por um sistema educativo que valorize a educação e o ensino público, democraticamente gerido e dotado de objectivos, estruturas, programas e meios financeiros e humanos que permitam a concretização do direito à educação e ao ensino e à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo a todos os portugueses, no ensino obrigatório e a todos os níveis do ensino, através de uma escola pública gratuita e de qualidade; que erradique o analfabetismo; que assegure a cobertura do país por uma rede pública de educação pré- escolar e que estabeleça a interligação entre os objectivos do ensino e das actividades sociais, culturais e económicas; que contribua para o aumento da qualificação do trabalho dos portugueses.

- Pela implantação de um sistema desportivo que, integrando as várias estruturas a ele ligadas (poder central, poder local, estruturas associativas, clubes, escolas) garanta aos desportistas as condições de trabalho e desenvolvimento; assegure à generalidade da população condições de acesso à prática desportiva regular nos seus vários níveis e modalidades.

- Pelo apoio e estímulo continuados à produção, actividades e agentes culturais, pela democratização cultural e do acesso à fruição e à criação culturais.

Neste sentido, o PCP, no seguimento do seu trabalho de proposta e projecto alternativo, assume a sua política educativa como a alternativa necessária para o Ensino em Portugal, e apresenta o compromisso de luta, entre outros aspectos:

.pelo reforço do investimento numa Escola Pública de Qualidade, com a gratuitidade de todo o ensino público como prioridade estratégica;

.pela recuperação da gestão democrática, contemplando o direito à participação de toda a comunidade educativa;

.pela reorganização da rede escolar (o que inclui todo o sistema público) reafirmando o carácter supletivo do ensino privado;

.para que se avance com a reorganização curricular, tendo em conta a necessidade de uma escola orientada para a formação da cultura integral dos jovens;

.pela criação das condições de estabilidade do corpo docente e demais trabalhadores das escolas;

.pela valorização das respostas públicas de ensino artístico;

.pela construção de uma escola verdadeiramente inclusiva;

.pelo fim da precariedade laboral;

.pela valorização do papel do Movimento Associativo Juvenil;

.pela valorização do Ensino do Português no estrangeiro.

No ensino superior:

.pela aprovação uma Lei do Financiamento do ensino superior;

.pela promoção do reforço estrutural e significativo do alcance dos regimes de acção social escolar;

.pela criação de um estatuto de carreira único para os professores do Ensino Superior.

.pelo reforço da rede de centros de investigação.

O Estado não pode limitar-se a reconhecer o direito à Educação, ao ensino e à igualdade de importunidades na formação escolar entendida no sentido material. Deve obrigar-se não só a eliminar obstáculos à sua realização, mas, mais do que isso, a criar as condições que permitam na prática o acesso de todos ao conhecimento.